Flutuando entre alegrias bobas e tristezas bem fundamentadas.

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Tenho Quebrado Copos

Tenho quebrado copos
é o que tenho feito
raramente me machuco, embora uma vez sim
uma vez quebrei um copo com as mãos
era frágil demais (foi o que pensei)
era feito para quebrar-se (foi o que pensei)
e não: eu fui feita para quebrar
em geral eles apenas se espatifam na pia
entre a louça branca e os talheres
(esses não quebram nunca) 
ou no chão espalhando-se então 
com um baque luminoso

tenho recolhido cacos
tenho observado brevemente seu formato
pensando que acontecer é irreversível
pensando em como é fácil destroçar

tenho embrulhado os cacos com jornal
para que ninguém se machuque
como minha mãe me ensinou
como se fosse mesmo possível
evitar os cortes
(mas que não seja eu a ferir)

tenho andado a tentar
não me ferir e não ferir os outros
enquanto esgoto o estoque de copos

mas não tenho quebrado minhas próprias mãos
golpeando os azulejos

não tenho passado a noite
deitada no chão de mármore
estudando as trocas de calor

não tenho mastigado o vidro
procurando separar na boca
o sabor do sangue o sabor do sabão

nem tenho feito uma oração
pelo destino variado
do que antes era um
e por minha força morre múltiplo

tenho quebrado copos
para isso parece deram-me mãos

tenho depois encontrado
cacos que não recolhi
e que identifico por um brilho súbito
no chão da cozinha de manhã

tenho andado com cuidado
com os olhos no chão
à procura de algo que brilhe

e tenho quebrado copos
é o que tenho feito

_ana martins marques

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